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quarta-feira, 29 de setembro de 2010

O prazer na dor das pimentas.


Um bônus em nossa evolução: O prazer na dor das pimentas.

O final do verão é época de colheita da pimenta chili, quando o estado do Novo México (EUA) é invadido pelo perfume de chilis assando, e por todo o país os deliciosos e dolorosos frutos da planta do gênero Capsicum estão sendo transformados em salsa, molho picante e repelente de ursos-cinzentos. Ocorrem muitos festivais, muitas vezes com concursos de comer pimenta.

Em minha cozinha, quando transformo minhas pimentas habanero em molho picante, tenho minha própria celebração para o acaso evolucionário que permitiu aos humanos masoquistas aproveitar um sofrimento tão saboroso.

Alguns especialistas afirmam que gostamos das pimentas porque elas são boas para nós. Elas podem ajudar a baixar a pressão, podem surtir alguns efeitos antimicróbicos e aumentam a salivação, o que é bom se você come uma dieta baseada num produto insosso como milho ou arroz.

A dor das pimentas podem inclusive matar outras dores, um conceito sustentado por recentes pesquisas. Outros, como Paul Rozin, da Universidade da Pensilvânia, argumentam que os efeitos benéficos são pequenos demais para explicar o grande amor dos humanos pelas comidas apimentadas.

Rozin, que estuda outras emoções e gostos humanos ("Sou o pai da repulsa na psicologia"), acha que escolhemos a pimenta pelo sofrimento. "Isso é uma teoria", enfatiza ele, "eu não sei se isso é verdade".

Mas ele tem evidências do que chama de masoquismo benigno. Por exemplo, ele testou comedores de chili, elevando gradualmente a dor ou, como os dizem profissionais, a pungência da comida, até o ponto em que os participantes afirmaram que não conseguiriam continuar.

Após o teste, quando questionados qual nível de "calor" havia sido seu preferido, eles escolheram o nível mais alto que puderam agüentar.

Sou obrigado a concordar, embora pelos verdadeiros padrões dos apreciadores do chili, eu seja um fraco. Meu filho estava bastante impressionado com um parente que cresceu no México e comia pimentas habanero inteiras, então minha esposa sugeriu um projeto de jardinagem entre pai e filho. No primeiro ano, apenas uma planta sobreviveu às marmotas e cervos. Mas que planta! Ela produziu uma safra abundante de maravilhosas pimentas habanero.

Ninguém as comeu. Em minha cabeça, eu podia ver a planta balançando suas pequenas granadas de calor na frente dos cervos e murmurando, "Dê uma mordida em mim, bambi".

As habanero são muito fortes, embora haja uma grande variedade delas. Na escala padrão Scoville de "calor" (sendo pimentão o nível 0 e a pimenta mais forte da índia, chamada jolokia, nível 1.000.000), a habanero laranja fica entre 100 mil e 350 mil.
Para efeito de comparação, as pimentas jalapeño variam entre 5 mil e 50 mil.

O spray contra ursos com 2% de capsaicina é anunciado como tendo 3,3 milhões de unidades, e a capsaicina pura - o elemento químico que causa a ardência - chega a 16 milhões.

Em lugares como América Central, Ásia e o subcontinente asiático, as pimentas chili são parte integral da culinária. Mas somente a genialidade comercial americana poderia lançar um produto que é comercializado com a ideia de que você não conseguirá usá-lo. Molho Picante Fim da Vida! Tão Quente que Você Morrerá! Aceitamos Visa, Mastercard ou Paypal. Certo, pode contar comigo!

Como isso aconteceu? A história de como o chili ganhou seu "calor" é bastante direta. Um estudo recente sugere que a capsaicina é uma eficiente defesa contra um fungo que ataca sementes de chili. Realmente, experimentos mostraram que as mesmas espécies de plantas selvagens de chili produzem muita capsaicina num ambiente onde o fungo tem inclinação a crescer, e muito pouca em regiões mais secas, onde o fungo não representa perigo.

O início da paixão pelas pimentas.
Os humanos descobriram as pimentas rapidamente. Há evidências de que, seis mil anos atrás, pimentas picantes já eram usadas das Bahamas aos Andes. Assim que Colombo as levou na volta do Novo Mundo, o chili se espalhou pela Europa, Ásia e África.

Ninguém sabe ao certo por que os humanos encontrariam prazer na dor, mas Rozin sugere que existe uma excitação similar a andar numa montanha russa. "Somente os humanos conseguem apreciar eventos que são intrinsecamente negativos, que produzem emoções ou sentimentos que somos programados para evitar", diz. Outros mamíferos não se juntaram à festa. "Não existe um único animal que goste de pimentas picantes", afirma Rozin.

Ou como coloca Paul Bloom, psicólogo de Yale, "Filósofos sempre tentaram definir características dos humanos - linguagem, racionalidade, cultura, e tudo mais. Eu resumiria da seguinte forma: o homem é o único animal que gosta de molho Tabasco".

Isso vem do novo livro de Bloom, "How Pleasure Works: The New Science of Why We Like What We Like" (Como funciona o prazer: A nova ciência de por que gostamos do que gostamos, em tradução livre), no qual ele aborda a natureza geral do prazer humano, além de alguns prazeres bastante específicos e complicados.

Alguns, como comer comidas dolorosamente apimentadas, são casuais. Gostar de pimenta não possui nenhum significado profundo, nenhum valor evolucionário. É simplesmente gostar de pimentas.

Posso acrescentar, porém, que como é preciso ter um cérebro complicado e um autoconhecimento estranho para gostar de algo inerentemente doloroso, apenas o animal com o maior dos cérebros e a mente mais complexa é capaz de fazê-lo.

Aos comedores de chili: comer fogo não é burrice, mas um sinal de alta inteligência.

© 2010 New York Times News Service

Publicação: Yahoo Brasil! em 28/09/2010 as 03:41 h

Foto: Rainhas do lar

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